Paris, outubro de 2023

“Marine” e “Nuage”, 1952. Nicolas de Staël, Museu de Arte Moderna de Paris.

1. O Museu de Arte Moderna de Paris apresenta uma exposição retrospectiva da obra do pintor Nicolas de Staël, nascido em São Petersburgo que obteve a nacionalidade francesa em 1948.

Em simultâneo a Fundação Louis Vuitton apresenta uma exposição retrospectiva em Paris dedicada a Mark Rothko, pintor nascido na Letónia, país fronteiriço com a Rússia, que emigrou para os Estados Unidos da América em 1910.

O Museu de l’Orangerie, por sua vez, apresenta a exposição «Amedeo Modigliani. Um peintre et son marchand» dedicada à relação entre o pintor italiano e o marchand Paul Guillaume.

E ainda de assinalar a exposição «Gertrude Stein e Pablo Picasso», no Museu do Luxemburgo, também em Paris. Stein, uma escritora imigrante americana instalada nesta cidade em 1903 e Picasso nascido em Málaga também radicado em Paris, no ano seguinte.

Diria que não é um acaso estas exposições em simultâneo que incluem artistas e intelectuais imigrantes, judeus ou de ascendência aristocrata. Todos eles se radicaram em França, país que reafirma o seu universalismo com iniciativas desta natureza, que deixam memória e reforçam raízes.

E estas são apenas algumas das exposições dentro da vasta e excepcional oferta cultural que a cidade de Paris actualmente nos oferece. E se há motivos para admirarmos um país como a França é pela sua cultura.


Já Portugal seguiu o caminho inverso e nunca consolidou esta consciência nem esta abordagem porque não lhe corre nas veias, por timidez, por uma questão geográfica entre tantas outras. Não obstante temos os nossos rituais, tradições e personalidades que marcam uma diferença no panorama nacional, outras que transcendem o território. Chacun son métier.

2. Na estadia de alguns dias que tive em Paris recentemente e onde fui assistir ao Congresso dedicado a minha avó Agustina, tive a consciência de que este era um evento extraordinário no tempo bélico em que vemos a Europa e o mundo mergulhados, onde somos bombardeados com imagens chocantes e pedidos de ajuda desesperados e outros afins que nos colocam perante a impotência e a indigência espiritual, «não há uma única voz que traga sabedoria no mundo, nenhuma autoridade moral das Nações Unidas, de uma potência mundial (…) ninguém no mundo consegue parar a deriva que hoje conhecemos» — e cito Amin Maalouf numa entrevista recente. 

Neste contexto, organizar-se um congresso na Sorbonne em Paris onde se discute a literatura de Agustina, tem uma particular importância cultural. Entre Fanny Owen, Ema, Pascoaes, Rembrandt, o teatro e o cinema, a religiosidade, as personalidades históricas e tantos outros que fazem parte do imaginário literário e cultural da sua obra, a ordem poética, «o labirinto do mundo» (penso em Yourcenar) ou «as estações da vida» foram objecto de estudo e de reflexão por parte de alguns académicos que ali apresentaram as suas comunicações. E é certo que a sua obra — a de Agustina — tem tudo para ser lida num tempo presente e num tempo futuro, o caos do mundo e aquilo a que a humanidade se associa — seja o bem, o mal, a descrença, a indiferença, o poder — está expresso com inteligência incluindo uma noção  do lugar que se ocupa e, eventualmente, ao qual se está destinado.

3. Eu não pertenço ao meio académico, pertenço à literatura por onde caminho tantas vezes sem ser vista, com a consciência de que a percepção das humanidades é importante como disciplina, também e não só, em tempos conturbados. Há sempre uma minoria que não se agarra a esta consciência, preferindo a vã glória que geralmente a conduz a lugares e comendas passivas e fictícias. Há um propósito maior que lhe passa ao lado. Mas daquilo que a literatura trata é precisamente do mundo que nos rodeia, das ruas por onde andamos, das pessoas, dos enigmas, da natureza visível e invisível, dos conflitos, dos lugares e de tudo aquilo que estes reflectem e excedem. Quem não souber sair de si mesmo para deambular pelo espaço, sobrevoando-o e dando piruetas, dificilmente saberá para que servem as humanidades. 

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